Nunca fui muito de conversar com meu pai. Sei lá, nunca tivemos muito papo. Ele mandava e eu escolhia obedecer ou não. E obedecendo/desobedecendo, eu fui formando minha personalidade até os 22 anos, quando saí de casa. Nesses 11 anos que se passaram (aliás, hoje completo 11 anos em São Paulo!), meus pais se separaram, eu fui para a Europa duas vezes, casei e me separei e minha filha foi morar longe e nunca eu e ele paramos para conversar.
Tinha enorme curiosidade pelo período que ele havia morado em Salvador, pois sabia pouquíssima coisa. Sabia apenas que ele havia morado com o tio/padrinho dele e que tinha trabalhado num bar.
Bem, esse era o meu nível de informação. Que bom repórter eu sou...
Ontem, saímos para almoçar, batemos a cara numa fila enorme no primeiro restaurante e o desejo de ambos era peixes ou frutos do mar. Fomos ao restaurante em que ele sempre come no Boqueirão (que eu não gosto) e eu já esperava decepção... Mas além de comida excelente, descobri um monte de coisas sobre o velho Genésio... até porque tínhamos que matar o tempo de alguma forma enquanto o rango não chegava.
Meu pai saiu da casa dos pais (“o sítio não dava nada”) pela mão de sua mãe, que pediu ajuda ao tio Miguel, que o recebeu de braços abertos em Salvador e lhe arrumou emprego no bar de um camarada dele, cujo nome é bem legal, mas eu não guardei... (Vivi, eu sei, da próxima vez eu levo um bloquinho...) Meu pai tinha só 13 anos e o bar ficava num bairro (talvez) chamado Cidade Nova.
Putz, imagina, tudo bem que as famílias nordestinas não são mega-amorosas, mas imagina a minha avó... imagina a tristeza dela, soltando um filho no mundo com apenas treze anos. E lá meu pai chegou em Salvador, em 1958, pouco antes de completar 14 anos e ficou até 1967, quando voltou para o sítio do meu vô, advinhem, que continuava “dando nada”, tanto que ele foi trabalhar num estábulo ... E lá em Salvador meu pai pulou Carnaval (não consigo acreditar, nem pensar nisso!!!), frequentava as boates, bebia, zoava, cresceu longe dos pais...
O espírito aventureiro permaneceu por mais um tempo e, em 1967, ele mesmo decidiu e pediu no mesmo ano para vazar. Vovó, mais uma vez, pediu para a enteada que morava em Santos (minha madrinha), que desse uma forcinha para o meu pai e lá ele vive até hoje, isso faz 40 anos. Ele começou como faxineiro e trabalhou no mesmíssimo prédio, aposentou-se como zelador e lá continuou trabalhando até 2005.
Foi nesse prédio, a dois quarteirões da praia, que ele e minha mãe nos criaram com costumes burgueses (devido ao ambiente), mas em escola pública de bairro bom... Foi lá que fizemos nossas primeiras festas, que eu fiz os primeiros ensaios antes de minha primeira banda ter nome, foi lá que eu tomei um porre pela primeira vez e foi de lá que eu saí para São Paulo e não voltei mais, a não ser nas férias, feriados, para a pequena Santos.
E ontem fazia o tipo de tempo que mais gosto na praia. Céu cinza, vento frio, úmido, com o mar mexido, sem chuva... tempo que geralmente dá lá de maio a agosto, antes do sol e as flores ressurgirem em setembro. Era com esse tempo que eu gostava de sair para caminhar pela praia e pensar no amanhã, pensar versos novos, namorar, olhar os prédios tortos, o mar batendo na calçada.
Ontem quando eu caminhava e fotografava, vivia o presente, mas o passado estava junto (as demos das minhas bandas estão de volta e pela primeira vez eu tenho músicas da Nowhere em mídia digital) e vivia o futuro também, pois não conseguia parar de pensar em seus olhos verdes...
Para fechar, versos de um garoto cheio de sonhos, escritos um ano e pouquinho antes de eu deixar a praia para trás...
“My time has come/ I´m leaving tonight/ The future I´ve had hoped/ So much for/ Now is reality / I´m leaving tonight/ The past I´ve had hidden/ now is a lie...”
8 comments:
fiquei muito feliz com tudo o que li...
seu pai é surpreendente e chegou ahora de vc descobrir tudo isso...por interesse seu, pelas suas "mãos", afinal, amanhã vc terá que contar isso a sua filha e assim por diante...pq ela certamente gostará de saber quem foi o seu avô paterno e como foi o relacionamento dele com o pai, pq dai ela vai tirar base de como será o dela com vc...e olha que ela é bem xereta...kkkkk
To fudido... hehehehe
Marcelão, seria Cidade Baixa?
Hehehehe... Nesse caso não é não. É um bairro na Cidade Alta, bem afastado da costa, inclusive... MInha dúvida é só mesmo com relação ao nome do bairro...
às vezes me pergunto porque eu, como jornalista, completamente envolvida e apaixonada por histórias de vida, male male sei as histórias de vida de pessoas tão próximas, meus pais e avós, por exemplo. tem um pouco daquela coisa, de "de tanto ter não valorizamos", talvez...
enfim...um pouco de mais uma história, de mais uma vida, a de seu pai...o que um almoço no Boqueirão não é capaz...
anonymous do dia 11 de outubro, I know who you are!!! Obrigado pelo comentário, continue visitando...
continuarei :)
marcelo, vc me fez pensar mtas coisas. tenho uma riqueza incrível de histórias do meu pai, que nao conto por problemas e coisas más resolvidas do passado. obrigada por me fazer repensar sobre o assunto.
te extraño cariño!
beijos e mais beijos!
bia
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