Friday, May 04, 2007

Um assalto, muita sorte, uma conversa fascinante, um B.O. e um beijo

Foi depois da festa do Agora que eu fui assaltado. Caminhava para o ponto de ônibus da Amaral Gurgel para pegar o ônibus de volta pra casa. Segui pela Major Sertório, pois sempre andei por ali de madrugada. Olhava as “damas da noite” quando fui cercado por dois jovens que me seguraram e levaram a carteira, o relógio e o celular, aquele imprestável.


Logo depois passou uma viatura da PM, que deu uma volta de dois minutos no quarteirão, mas os ladrões já tinham pinoteado e já deviam estar pensando em como transformar meu relógio querido e meu celular odiado em pedras de crack. Como sempre, não havia dinheiro na carteira. Não fui ferido. Por estar levemente alcoolizado não esbocei nenhuma reação e não tive raiva de nenhuma espécie. Foi a primeira vez que fui assaltado em São Paulo após 11 anos na cidade.


Só fiquei bem sentido, pois o relógio era de muita estimação. É um dos presentes mais marcantes que ganhei de meu pai. Foi o prêmio pela formatura em jornalismo, em 1996. Significou muito pra mim porque me mostrou que meu pai, independente das ressalvas que tinha sobre a minha profissão (ele queria que eu me formasse em direito), tinha orgulho daquele pequeno sucesso, muito mais dele do que meu. Afinal ele havia conseguido formar o filho mais velho dele, que tinha um diploma que ele não tinha. E meu pai não tinha inveja disso, tinha orgulho.


Mas alguém lá em cima provou mais uma vez que gosta muito de mim. Todos os meus documentos e lembranças (fotos da Isabella, papeizinhos, anotações que eu guardava na carteira) foram encontrados na Rêgo Freitas. A família que guardou minhas coisas mora numa casa simples em Heliópolis e lá fui buscar os documentos à tarde. Ofereci, de coração, uma recompensa, mas dona Gisleine disse que não era necessário e que ela tinha obrigação de fazer o possível para ajudar. Fez mais que o possível. Encontrou o telefone de um amigo anotado num papel, ligou para ele e Claudio me ligou avisando da novidade.


Ao fim da jornada estava esgotado e havia praticamente perdido o dia de trabalho, mas estava feliz por ser tão abençoado. Pude dedicar-me a conversar com N, que estava meio downzinha. Ela é uma garota fascinante que se abre lindamente como uma flor que está desabrochando, que compartilha sentimentos e tem olhos faiscantes que eu teimava em achar que eram azuis, mas não são. Nós falamos bastante e sobre quase tudo. Ela mexe comigo. Me convidou para um típico lugar que eu não iria nunca, mas eu vou só porque quero vê-la. Quero estar mais perto dela, quero conhecê-la mais. N, você brilha e eu quero um pouquinho da sua luz, mesmo você defendendo a pós-modernidade, que eu não acredito existir.


Entretanto, um sorriso no ônibus na volta do DP (pois é, ainda arrumei tempo para fazer o B.O. do assalto) me fez começar a crer na pós-modernidade. Supostamente chamada Bel, supostamente de 25 anos, supostamente publicitária, Bel estava bebinha e sorriu após cambalear e quase cair o corredor do ônibus. Como parecia que ela cairia fiquei preocupado. Ela seguia para o mesmo lado que eu, trocamos olhares e sorrisos e começamos a conversar. Tivemos ainda mais 15 minutos de um papo muito louco, mas que senti ser verdadeiro. Ela me fez prometer que se eu a visse de novo que não falasse com ela e que eu não pedisse o telefone dela. “Gosto de ser e não de ter”, foi como ela justificou. Será essa a pós-modernidade? Cumpri minha promessa e ela disse que ela era a (personagem principal de..) Doce Novembro e pediu fervorosamente: “assista”. Vou assistir.


Escoltei a bela e cambaleante Bel até o ponto de ônibus onde ela pegaria a conexão para sua casa supostamente nos Jardins e meu dia muito louco acabou com um beijo com gosto muito bom de cigarro e cerveja. Foi nossa primeira e última vez e foi ótimo, uma história completa em 20 minutos. Se todos os dias, os seres humanos tivessem 20 minutos de qualidade, como os que tive com N e com Bel, a vida de todos nós seria muito melhor e jovens pobres talvez não precisassem roubar. Como disse o cobrador do ônibus: sem amor, gentileza e educação, a vida não tem sentido.

2 comments:

Fernanda Radtke said...

Tentei escrever alguma coisa, mas a enxaqueca me consome. Tudo isso em algumas horas! E os olhos azuis são de praxe...hahaha...tenho um amigo que trabalha comigo há quase um ano, me vê quase todos os dias e ainda fala dos supostos olhos azuis (deve ser a maquiagem!). Amei o texto e o esquenta. Beijo!

MO said...

Agora só falta ferver.