À tarde Liebe Dich havia se materializado num telefonema de dois minutos, depois, como névoa, sumiu de novo... Antes que a ansiedade me destruísse completamente, fiz o que costumo fazer nessas situações: fui ao cinema. Queria ver “O Maior Amor do Mundo”, mas a fila para comprar o ingresso estava enorme depois que o Gerald Thomas bombou o filme em um artigo para a Folha de S. Paulo.
Atravessei a rua e optei por uma grata surpresa: o primeiro longa de Edgard Navarro, do média-metragem “Superoutro” (quem nunca viu esta pérola, procure-a), “Eu Me Lembro”. O filme é maravilhoso, um raro mergulho autobiográfico de um cineasta brasileiro. Cheio de memórias, faltou apenas o sabor da cocada, o cheiro do baseado e o aroma de alfazema para que o deja vu fosse completo.
As canções, as cores, a cenografia, o sotaque baiano, enfim, tudo, me trouxeram também lembranças da minha mais tenra infância. Muito daquilo contado ali está presente no epitélio da minha subconsciência. O canto, a mãe preta, todos aqueles elementos me trouxeram a memória minha primeira viagem ao interior de Sergipe, quando tinha cinco anos... Com toda essa idade, aquela viagem foi um marco em minha vida. Foi quando despertei e descobri que o mundo não era apenas eu.
O contato com a cena agreste de Sergipe foi um choque para um garotinho bem criado de Santos, que crescia à um quarteirão da praia. O contraste entre as duas realidades me trouxe um estranhamento natural, cujo auge se deu no contato com a benzedeira preta (é a primeira lembrança que tenho de uma pessoa tão preta). O contato da arruda molhada com água benta na minha testa, o cheiro do insenso com a arruda, a reza cantada em voz aguda e alta, me fizeram gritar, espernear, chorar enraivecidamente, com ódio de meus pais. Porque eu estava ali?
Eu estava porque tinha que ser batizado naquela cultura. Foi um ritual. Eu era aquilo tudo e não poderia negar jamais. Sou filho de nordestinos e toda aquela força terrena está no meu sangue. É da terra que tudo brota e é daquele barro que eu sou feito. Agradeço até hoje ao meu pai por aquele batismo de sangue, aquele momento, me inundando com a nossa cultura... Hoje não tenho mais medo de sarapatel e dobradinha e tento descobrir, em cinco minutos, de onde é cada nordestino com quem eu converso. Eu amo esse povo.
E a noite prosseguiu. Liguei para o velho companheiro de guerra, MS. Depois de um papo agradável e muita comida no Exquisito!, atravessamos a rua e fomos na Funhouse. Apesar de ter quebrado minha promessa e bebido pacas, inclusive vodka, eu lembro de absolutamente tudo, viu, Rê... Até quinta...
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2 comments:
A minha memória também está em pleno funcionamento. Beijos e beijos, Má.
Uau!!! É nóis na segundona!!! Beijo!
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